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Inflação corrói capital do investidor no ano
O desempenho dos fundos de investimento também foi, em geral, uma decepção.
Inflação em alta e capitalização da Petrobrasno Brasil, crise da dívida soberana na Europa, crescimento baixo nos Estados Unidos e medidas para esfriar a economia na China - tudo isso fez de 2010 um ano de agruras para o investidor brasileiro. Enquanto a megaoperação da Petrobras e o cenário externo seguravam o Índice Bovespa, que subia apenas de 0,53% no ano até ontem, o despertar do dragão da inflação corroía os ganhos nas aplicações de renda fixa. "Foi muito difícil ganhar dinheiro no mercado este ano", afirma Sérgio Manoel Correia, economista da LLA Investimentos.
O peso da alta da inflação no bolso do investidor este ano é chocante quando se leva em conta o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), que reúne preços no atacado, ao consumidor e custos da construção civil. Descontado o IGP-M, que subiu 11,32% este ano, apenas o ouro deu alegria aos investidores. Com alta nominal de 30,65% até ontem, o metal ostenta ganho real de 17,36%. Do outro lado, o Índice Bovespa amargou perda real de 9,69% - ou seja, quem aplicou no índice viu seu poder de compra diminuir.
O desempenho dos fundos de investimento também foi, em geral, uma decepção. Pelas estimativas da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), apenas as carteiras de renda fixa devem fechar o ano com ganho real. Mas ele será minguado, de apenas 0,20%. No caso dos fundos DI, a projeção é de perda real de 1,27% este ano.
Fora do mundo dos fundos, as duas outras opções conservadoras à disposição do investidor comum - os Certificados de Depósito Bancário (CDBs) e a poupança - também perderam do IGP-M. Com rentabilidade nominal acumulada de 6,90%, a velha caderneta amarga perda real de 3,97% em 2010.
O quadro é menos desolador se a conta do ganho real tiver como referência o IPCA, que, pelas estimativas do boletim Focus, deve fechar 2010 com alta de 5,90%. Com o IPCA no jogo, haveria ganho real nas aplicações em poupança (0,95%), CDB (3,64%), nos fundos DI (3,78%) e carteiras de renda fixa (5,33%). Trata-se, é claro, um desempenho excelente em qualquer lugar do mundo, mas desapontador para o investidor local, que se acostumou a ter 6% de rentabilidade real como piso.
A arrancada da inflação no fim do ano, puxada por alimentos e preços de serviços, acabou surpreendendo o mercado e corroeu o valor real dos ativos, diz Correia, da LLA. Ele lembra que o Banco Central (BC), após elevar a taxa Selic de 8,75% para 10,75% entre abril e julho, interrompeu o processo de aperto monetário antes do esperado com o argumento de que a inflação já não ameaçava. "A dúvida agora é como o BC vai agir sob o governo Dilma", diz Correia.
A perspectiva da maioria do mercado é de manutenção da autonomia operacional do BC. Mesmo com o recente Relatório Trimestral de Inflação sinalizando para uma alta de juros em janeiro, a inflação ainda deve ter papel preponderante nas contas do investidor. Não se sabe se o BC vai trabalhar com a convergência da inflação para meta este ano ou em um prazo mais longo, de dois anos", diz Correia. "E também é preciso ver se a Dilma vai mesmo fazer um ajuste fiscal, ajudando o BC", ressalta ele, lembrando que o governo terá que expandir os gastos com infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
Para quem quer se proteger da pressão inflacionária, Correia recomenda os "fundos de inflação" e a compra das Notas do Tesouro Nacional -série B (NTNs-B), que remuneram o investidor com a variação do IPCA mais uma taxa de juros. No site do Tesouro Direto, a NTN-B com vencimento em agosto de 2011 pagava ao investidor taxa de 6,17% ao ano. Os títulos indexados ao IPCA continuam sendo opções interessantes de longo prazo, diz o administrador de investimentos Fábio Colombo. No curto prazo, a recomendação são os fundos DI. "Eles devem proporcionar juro real bruto (sem contar o imposto de renda) entre 4% e 5% ao ano, dependendo da política econômica", afirma Colombo.
Ele afirma que a expectativa de alta dos juros em 2011 torna a aposta na renda fixa mais arriscadas, sobretudo em comparação com os fundos DI. "Tudo vai depender da política do BC e da participação dos papéis prefixados nas carteiras de renda fixa", diz Colombo. Se a alta da Selic for maior do que a esperada pelo mercado, os papéis públicos prefixados tendem a perder valor.
Para Felipe Tâmega, economista-chefe do Modal, se o BC não subir os juros, o IPCA deve avançar 5,5% em 2011 e 4,9% em 2012, já levando em conta o efeito do aumento dos depósitos compulsórios. "Aumentos de juros são ainda necessários", diz ele, que aposta em três altas seguidas dos juros em 0,50 ponto percentual a partir de janeiro, o que levaria a taxa a 12,25% ao ano.
Em relação à bolsa, a mensagem dos analistas é de cautela, sobretudo no primeiro trimestre. Após Grécia e Irlanda este ano, a crise do endividamento soberano pode atingir países como Espanha e Portugal, provocando nova onda de aversão ao risco. Há também um ponto de interrogação sobre o ritmo de crescimento na China, que tem tomado medidas como aumento de compulsório e juros para conter um repique inflacionário. "A dúvida sobre a China deixa os preços das commodities mais voláteis, o que afeta o Ibovespa", afirma Roberto Alem, economista da M2 Investimentos. A maior parte dos analistas, contudo, aposta em um pouso suave do gigante asiático, com o crescimento desacelerando para 9% ou 8% .
Outra incógnita é o grau de recuperação da economia americana e seu impacto nos preços das commodities e na liquidez global. A perspectiva de Correia, da LLA, é de que a liquidez se manterá abundante, já que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deve manter os programas de estímulo à economia e os juros básicos próximos de zero durante o próximo ano. "O risco é o mercado preferir aplicar na bolsa americana a vir para os emergentes", afirma
Todo esse pacote de incertezas no front externo torna o cenário obscuro para o desempenho do real em relação ao dólar, que fechou este ano em queda de 2,85%. Não se descartam novos episódios da "guerra cambial", com mais medidas do governo brasileiro para conter a apreciação do real, como aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Para o administrador Fábio Colombo, os fundos cambiais podem ser opções interessantes para o investidor, caso haja nova onda de aversão ao risco. Isso vale também para o ouro, que disparou este ano em meio à depreciação global do dólar.